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Valem as mudanças no contrato não acertadas por escrito?

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Caso clássico: o contrato de locação prevê o pagamento dos aluguéis todo dia 2, posterior ao mês vencido; há anos, o aluguel tem sido pago todo dia 8, sem reclamação ou multa. A pergunta: qual a data de vencimento do aluguel nesse caso? Poderá o locador passar a dizer que, ao pagar no dia 8, o locatário sofrerá multa?

É claro, o ideal será sempre formalizar, documentar o que for combinado, aditado, alterado ou suprimido do contrato original. No exemplo, seria bom os contratantes alterarem a data de vencimento do aluguel, se quisessem que passasse para o dia 8.  Mas, os negócios, como quaisquer relacionamentos, evoluem e findam sendo celebrados novos ajustes, muitas vezes por consenso não posto em papel algum.

Assim, em uma locação em shopping center passam a ser admitidas ampliações do objeto desta ou daquela loja: vendia roupas femininas e pouco a pouco passou a vender acessórios, sapatos etc.; numa locação residencial, permitiu-se abertamente a utilização da garagem para o estabelecimento de uma papelaria; são somente dois exemplos, mais e melhores existem por aí. Porém, não raro, sobrevém a reclamação, de uma das partes, findando-se naquelas situações em que se pretende negar o que foi combinado, foi admitido, mas não foi escrito.

A jurisprudência e a doutrina já apreciaram situações do gênero e, em matéria de locação imobiliária, talvez o melhor exemplo resida na consideração de lapsos entre contratos, para a concessão do direito à renovação do contrato de locação comercial, muito embora esteja no artigo 51 – II, da Lei n. 8.245/91 a exigência de prazo contratual mínimo ou da soma de prazos ininterruptos. Simplesmente esse período de locação não escrita é validado como não interruptivo da soma de prazos contratuais (assim não o quisesse o locador, promoveria a rescisão e o despejo). 

Realmente, não é somente através de novos ajustes escritos que os interessados se acertam, valendo-se, por vezes, de paulatinas mutações na operação do contrato; mutações consensuais até que convenha – bem ou mal -, a uma das partes, apontá-la e tentar qualificá-la como infração hábil à rescisão e à imposição de penas ou à cobrança de indenizações. Não parece razoável se pensar em descumprimento contratual nessas hipóteses.

Tenhamos em mente que existem normas, cláusulas gerais francamente adotadas pelo Código Civil, realçando a preservação da boa-fé objetiva. A atenção a esse pressuposto, que é tão profundamente natural (em geral…) em cada um de nós, por certo conduzirá à melhor análise de cada situação concreta.

Por isso, é destacada a previsão do artigo 422, do Código Civil, forte ao exigir atenção à boa-fé e à probidade (que talvez se sintetize na exigência de comportamento leal de todos os pactuantes) não somente quando da celebração do contrato, mas também, na sua execução, vale dizer, na materialização de sua intenção, mote destas notas.

Especialmente nas locações imobiliárias urbanas, deve ser frisada, sempre, a plena possibilidade legal de o ajuste ser verbal – nada impõe o contrato escrito de locação (alertando-se que a sua falta traz consequências sérias e a perda de direitos). Essa certeza robustece a legalidade do comportamento não formal.

Pois bem… se os contratantes agem de determinado jeito que não atente rigorosamente ao ajustado por escrito, certamente é isso que eles querem. Impossível deixar de citar Caio Mario da Silva Pereira, que em suas Instituições ensinou que “o intérprete deve cogitar de como o contrato tem sido anteriormente cumprido pelas partes, pois que são elas o melhor juiz de sua hermenêutica, devendo considerar-se que, se se executou num dado sentido, é porque entenderam os contratantes que esta era a sua verdadeira intenção.”.

Exatamente nessa lógica, o Código Comercial (Lei n. 556, de 25/06/1850) dispunha no seu artigo 131 acerca das regras de interpretação das cláusulas contratuais, impondo: “3. o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato”.

Mas como se prova a existência dessa anuência? Através de qualquer dos meios admitidos em Direito: testemunhas, perícias, documentos, e-mails, até mesmo através de inspeção judicial. Quem não tem em mãos documento idôneo que prove o que quer alegar, deverá se esforçar na demonstração de seu direito, é óbvio. E a legislação é bastante receptiva à produção de provas.

Enfim, a atitude previdente será escrever. Em julho de 1.940, Churchill mandou ao Gabinete de Guerra inglês um memorando severo: “Que fique muito claro e entendido que todas as ordens emanadas de mim são dadas por escrito ou serão confirmadas por escrito imediatamente depois, e que não aceito responsabilidade por questões referentes à defesa nacional em que se considere que eu tomei decisões, a menos que estejam registradas por escrito”. Certamente sabia por que temer ordens ou combinados de boca…

Mas, não existindo o apego ao escrito, é possível, sim, a conclusão (perfeitamente coerente com a inteligência lapidada durante anos, e isso se prova até mesmo observando-se a idade das citações feitas neste comentário) acerca da plena validade da mutação ou alteração contratual, decorrente do consenso dos contratantes ao operarem o contrato, mesmo que sem nova formalização, podendo a nova compreensão ou disposição contratual (não escrita) ser provada através de todos os meios disponíveis em lei.


Artigo publicado originalmente no site www.imobireport.com.br em 09 de Julho de 2025.

 
 
 

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